sábado, 31 de outubro de 2009

Ou isto ou aquilo.



Hoje, dia chuvoso, aproveito pra viajar à minha infância. Como já mencionei anteriormente, o primeiro livro que ganhei na vida foi Ou isto ou aquilo, seleção de belíssimos poemas da igualmente belíssima Cecília Meirelles (1901 – 1964). Veio numa edição branquinha cheia de ilustrações, pelas mãos do meu querido avô e anjo Guilherme Santos Neves. Ele foi um homem cultíssimo, sensível, inteligente e carismático, advogado, professor de português, escritor, folclorista, ufa...e uma infinidade de outras coisas. Mas, sobretudo, um ídolo da minha vida. Ele não apenas me abriu as portas para o mundo da literatura como também me incentivava a escrever. Já naquela época, mandou publicar no jornal A Gazeta dois poemas que escrevi aos 8 anos, que tenho até hoje. E Cecília?
Bom, Cecília me fez entrar no mundo mágico das rimas, das cores que a poesia pode ter. Nesse livro, que é uma viagem através do país da infância, ela brinca com burrinhos azuis, meninas que querem ser bailarinas, fala de duas velhinhas, Marina e Mariana, inventa um jardim de cores, com borboletas de muitas cores, nos faz escolher entre isso ou aquilo e, num dos poemas mais lindos do livro, que recitei e recito até hoje, para meus filhos, fala de três meninas que viviam naquela janela. Uma que se chamava Arabela, outra que se chamou Carolina. E Maria, que apenas sorria dizendo: bom-dia. A simplicidade do poema marcou minha infância, como creio que marcou a de muita gente.
Em tempos de Harry Potter, Diário de uma Princesa e infinitas outras séries de livros, que bom seria se nós adultos lembrássemos de presentear nossos pequenos leitores com livros menos consumistas e mais singelos,como toda infância deveria ser.




Ou se tem chuva e não se tem sol,

Ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel;

Ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,

Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

sábado, 10 de outubro de 2009

O amor nos tempos do Gabo.

Difícil escolher qual livro comentar, depois do primeiríssimo Dom Casmurro. Mas esse lugar de honra vai para aquele que considero um dos melhores, se não o melhor escritor da atualidade: Gabriel Garcia Marquez, Prêmio Nobel de 1982. O livro, O amor nos tempos do cólera.

Falar de O amor nos tempos do cólera intimida, pois nada que se diga traduz a real experiência de lê-lo. Se fosse resumir numa frase, diria que é um romance para ser lido pausadamente, sorvendo cada palavra como quem saboreia uma taça de vinho. Não apenas a história é maravilhosa, emocionante, encantadora, quanto o estilo do Gabo é único. Nele, tudo se encaixa em tudo, nada sobra, nada falta e qualquer diálogo parece lapidado.
Nesse livro, que li duas vezes (e acho pouco), tudo acontece na medida certa: poesia, romance, narrativa, drama, fantasia, realismo, sempre com uma pitada do humor sarcástico característico do autor.
Segundo García Marquez, este é o seu melhor romance, superando Cem anos de solidão, que conquistou gerações de leitores. Ele teria dito ainda que foi escrito "com as entranhas”. E é assim que esse romance chega ao leitor: arrebatador.
Inspirado na história de amor vivida por seus pais, Gabriel e Luíza, tem como tema o romance de Florentino Ariza e Fermina Daza, que demora mais de meio século para se concretizar. Apaixonado pelas tranças de Fermina, o jovem Florentino passa a enviar-lhe cartas apaixonadas, mas o romance é frustrado pela oposição do pai da moça, que a envia para uma temporada no interior. Ao retornar, atendendo à vontade paterna, Fermina casa-se com o médico Juvenal Urbino, que chegara para combater a epidemia do cólera na cidade.
O casamento dura 50 anos, até a morte do doutor (um dos melhores capítulos do livro). O amor de Florentino, porém, persiste a vida inteira. Ele registra num caderno o nome de incontáveis mulheres, a quem se entrega de corpo, mas nunca de alma. Ao final do livro, Florentino e Fermina se reencontram para resolver a antiga história.
O que poderia ser apenas mais uma história de amor que sobrevive a obstáculos e ao tempo, nas mãos de Gabo se transforma numa obra mais saborosa a cada página. O belo de Fermina, Florentino e Urbino é que eles não são belos, são bastante comuns. Os homens, em especial, são até esquisitos, feios, sem atrativos, porém de alma encantadora, cada qual a seu modo. Florentino é sem sal, desajeitado e excêntrico. Urbino é um homem cheio de manias, teimoso, estranho, porém amoroso.
O amor de Fermina e Urbino é palpável, vivido dia a dia, com suas esquisitices, ranhetices e beleza. O amor de Fermina e Florentino fica no plano do imaginário, sustentado pela paciência e persistência (obsessão?) deste em esperar o momento de encontrar o caminho livre para o coração da amada. E é na concretização dessa paixão, que começou na juventude e sobrevive até a velhice, que somos presenteados com um retrato inigualável do que pode ser o amor entre seres de cabeça branca e alma juvenil.
O amor nos tempos do cólera é, na verdade, uma história sobre todos os amores de todos os tempos.