domingo, 30 de maio de 2010

Tempos muito estranhos.

Quando a Alemanha de Hitler já tinha invadido diversos países e a Inglaterra lutava desesperadamente para manter-se estável, os japoneses atacaram Pearl Harbour - e os EUA foram forçados a entrar no conflito. Esse livro conta os bastidores dessa história na casa mais famosa dos EUA: a Casa Branca.
Tempos muito estranhos, de Doris Kearns Godwin, é um relato dos anos de Franklin Delano Roosevelt no posto de homem mais importante dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Confesso que  que antes de lê-lo, pouco sabia sobre Franklin Delano Roosevelt. Sabia de sua relevância no new deal, a aliança com o poderoso Churchill durante a Segunda Guerra, mas não conhecia muito de sua personalidade. E o livro acabou sendo uma lição que nunca aprendi na escola. Ele revela o cotidiano do casal Franklin - Eleanor Roosevelt, seus amigos, companheiros (e amantes) durante o maior conflito mundial, ao mesmo tempo em que esboça os acontecimentos mais
 marcantes da época. Ao longo dos capítulos, desvenda a personalidade carismática de Roosevelt; a paralisia após a pólio, que não o impediu de ter uma vida pública intensa; seu otimismo e autoconfiança, sua habilidade em cativar pessoas dos mais diferentes tipos, seu casamento e parceria com Eleanor Roosevelt, que teve uma ascensão gradativa, de simples esposa do presidente a uma das mulheres mais influentes do país – quase ofuscando o brilho do marido.
O livro é enriquecido pela descrição de personagens fascinantes que, mais do que participar da vida do casal, compartilhavam de sua intimidade, morando em aposentos da Casa Branca; alguns, durante anos. Entre eles, Missy LeHand, secretária partícular e amiga do presidente, que a ele devotava verdadeira adoração. Segundo alguns, Missy se comportava como a real esposa de Franklin, que tinha por ela a mesma afeição; Harry Hopkins, que a autora chama de alter-ego de Roosevelt, seu assessor no período mais conturbado de seu mandato. De aspecto frágil e esquelético, Hopkins era, porém, muito contundente em suas ações e fiel ao extremo. Era ele quem viajava para a Inglaterra para encontros estratégicos com Churchill, antes mesmo do primeiro contato entre os dois estadistas.
Outra figura peculiar era Lorena Hickock, chamada de Hick, jornalista e grande amiga de Eleanor, com quem, especula-se, ela teve uma ligação amorosa. E o próprio Churchill, que esteve hospedado algumas vezes na Casa Branca, com seus hábitos pitorescos de só dormir de camisolão e pedir ao mordormo “uma dose de Cherez pela manhã, duas de uísque com soda no almoço e um champanhe 90 anos à noite”, além da escapulida diária para a sesta vespertina.
Em um dos trechos mais engraçados do livro, o primeiro ministro inglês aparece de camisolão, traseiro à mostra, engatinhando no compartimento de bombas do avião que o transportava para um encontro em Casablanca com o presidente americano.
O livro reúne, ainda, momentos contundentes, como quando a população americana é conclamada a participar, doando potes e panelas de alumínio para serem derretidos e reutilizados na fabricação de aviões. Meias de seda das senhoras deveriam ser doadas para a fabricação de para-quedas, momento em que Eleanor, para dar exemplo, passa a usar meias pretas de algodão.
Em Tempos muito estranhos, a primeira dama ocupa espaço tão relevante quanto o do presidente. Sempre fiel à causa social e impelida a participar  efetivamente dos acontecimentos em seu país, foi a primeira esposa de presidente a ter um emprego no governo, a comparecer diante de um congresso, a dar coletivas à imprensa e manter uma coluna nos jornais. É marcante no livro sua decisão de viajar para a Inglaterra para visitar as tropas americanas ali posicionadas. Nos EUA, quando a mão-de-obra torna-se escassa, ela incentiva as norte-americanas a entrarem para o mercado de trabalho, já que os homens, seus pais, maridos e irmãos estavam no front de guerra – e o país não podia parar. Com isso, as mulheres tomaram gosto, assumiram tarefas tidas como masculinas em fábricas e indústrias e nunca mais foram as mesmas. Porém, o fato de Eleanor aparecer com tanta intensidade no livro, não significa que Roosevelt não se destaca. Ao contrário: carismático e confiante, ele justifica a imagem de um dos homens mais importantes de sua época e as passagens de seus diálogos com Churchill são inesquecíveis. Em determinado ponto, registra-se uma frase de Roosevelt para o amigo britânico: “É muito divertido estar na mesma década que você". Em outro trecho, quando alguém pergunta à Primeira Dama como pensa o Presidente, esta responde: "Meu caro, o Presidente não pensa, ele decide".
É interessante como esse homem, que se locomovia por cadeira de rodas, quase nunca demonstrava fraqueza. Caminhava apoiando-se e discursava de pé, daí o fato de sua deficiência ser esquecida. A imprensa era tão solidária a ele que não o fotografava em cadeira de rodas.
Eu levaria muitas páginas para discorrer sobre por que o livro Tempos Muito Estranhos é uma grande obra. Mas prefiro recomendar a leitura. Será muito mais prazeroso.

Livro - Tempos Muito Estranhos
Autor: Doris Kearns Godwin
Editora: Nova Fronteira

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Outro - Bernhard Schlink



Li esse livro esperando o meu vôo no aeroporto. Tão curtinho, 96 páginas, deu até pena de acabar logo. O autor, Bernhard Schlink é o mesmo de O Leitor, que ganhou uma versão cinematográfica e deu um Oscar para Kate Winslet. Diga-se de passagem, o filme é muito bom.
O Outro segue a mesma linha e estilo de O Leitor. É um livro que nos prende até o fim. O texto de Schlink é sucinto, objetivo, mas a história, sim é engenhosa. Após a morte repentina de sua esposa (Lisa), um homem (Bengt) recebe uma carta de alguém que não sabe que ela morreu. A grande curiosidade ou comiseração o leva a abrir e ler a mensagem, momento em que começa a descobrir um outro lado de sua esposa que ele não conhecia. Ela tinha com o autor da carta uma ligação amorosa.
Obcecado por entender que ligação é essa e como ela se deu sem que ele percebesse, o homem decide responder a essa carta, como se fosse Lisa. Ao mesmo tempo que mantém viva a memória da esposa, a cada nova carta, ele a redescobre. O que se lê nas entrelinhas é a angústia do homem ao perceber que sua esposa não era sua, não era quem ele julgava ser. Ela, sim, era outra.
Nas páginas seguintes, sente-se que o próprio marido está se deixando seduzir pela figura do amante (não no sentido sexual, mas mental). Afinal, quem será esse homem extraordinário que mereceu o amor de sua esposa? Inevitavelmente chegará a hora de ele ir ao encontro do Outro.
A mensagem do livro é muito clara. Ninguém rouba ninguém de você. Você é quem deixa o seu amor partir. Por comodismo, por excesso de confiança, por amar de menos – ou demais.
Não é o amante quem seduz: é o outro, que se deixa levar - ou amar - por curiosidade, cansaço, tédio, desespero. É a vontade de amar e de ser amado - ou conquistado - que faz alguém se entregar.
Ou, melhor dizendo, o que nós amamos não é a pessoa: é quem nos tornamos por causa dela. Deu pra entender?

Bernhard Schlink nasceu em 1944, em Bielefeld, e é jurista de formação. Autor, entre outros, de O leitor, A volta para casa e A menina com a lagartixa. O Outro também ganhou versão cinematográfica, com Liam Nesson, Antonio Banderas e Laura Linney.

Editora: Record
Autor: BERNHARD SCHLINK
ISBN: 9788501085436
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 96

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mária digam por favor.

A vida inteira eu tive que corrigir quando pessoas falavam meu nome pela primeira vez:
- Maira? Mara? Mariá?
- Não... É Mária mesmo, feminino de Mário.
Invariavelmente a pessoa fazia uma expressão de surpresa:
- Ah, que diferente!
Em documentos variados, sempre vem a tal Maria me atormentar. No telemarketing então, é inevitável:
- Queria falar com a Senhora Marííía Lacerrrrda?
Mas houve um momento em que fiquei muito, muito orgulhosa do meu nome. Tinha eu meus 11, 12 anos de idade, quando descobri o poema Canção de Muitas Marias, do nosso maravilhoso poeta modernista Manuel Bandeira.Como se não bastasse a infinidade de belos poemas com que Bandeira nos brindou, a mim, sem querer, ele me deu esse presente, falando o que eu gostaria de dizer a alguns incautos personagens: "Mária digam por favor".

Canção de muitas marias
Manuel Bandeira (Lira dos Cinqüenta anos)

Uma, duas, três Marias,
Tira o pé da noite escura.
Se uma Maria é demais,
Duas, três, que não seria?

Uma é Maria da Graça,
Outra é Maria Adelaide:
Uma tem o pai pau-d’água,
Outra tem o pai alcaide.

A terceira é tão distante,
Que só vendo por binóculo.
Essa é Maria das Neves,
Que chora e sofre do fígado!

Há mais Marias na terra.
Tantas que é um não acabar,
- Mais que as estrelas no céu,
Mais que as folhas na floresta,
Mais que as areias no mar!

Por uma saltei de vara.
Por outra estudei tupi.
Mas a melhor das Marias
Foi aquela que eu perdi.

Essa foi a Mária Cândida
(Mária digam por favor),
Minha Maria enfermeira,
Tão forte e morreu de gripe,
Tão pura e não teve sorte,
Maria do meu amor.

E depois dessa Maria,
Que foi cândida no nome,
Cândida no coração;
Que em vida foi a das Dores.
E hoje é Maria do Céu:
Não cantarei mais nenhuma,
Que a minha lira estalou,
Que a minha lira morreu!

Poeta do modernismo brasileiro nasceu em Recife, Pernambuco, em 1886. Publicou seu primeiro livro de versos, Cinza das Horas, no ano de 1917. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922 declarando estar "farto do lirismo comedido".
Um dos nomes mais importantes do modernismo no Brasil, faleceu no ano 1968.
(Fotografia extraída do site http://recantodasletras.uol.com.br)

sábado, 1 de maio de 2010

Meu amado Drummond.

Minha lista de leitura está muito longa, pois vou parando um para começar outro. Preciso retomar a leitura de forma ordenada. Confesso que não está muito fácil, porque minha cabeça virou de repente um romance inacabado. Faltam muitas páginas, mas acho que elas se rasgaram. Para não deixar os escritos da mente se perderem, recorro mais uma vez à boa e velha poesia, minha amiga.



O FIM NO COMEÇO
A palavra cortada
na primeira sílaba
A consoante esvanecida
sem que a língua atingisse o alvéolo.
O que jamais se esqueceria
pois nem principiou a ser lembrado.
O campo - havia, havia um campo?
irremediavelmente murcho em sombra
antes de imaginar-se a figura
de um campo.

A vida não chega a ser breve.

Livro: A VIDA PASSADA A LIMPO - A FALTA QUE AMA.Carlos Drummond de Andrade. Ed. Record, 1994.