quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Castelo de Vidro.

Jeanette Walls é uma bem-sucedida jornalista de uma revista de Nova York. Mas por trás desse presente de sucesso há um passado perturbador que ficou por décadas escondido até que ela resolveu abri-lo nas páginas de um romance autobiográfico. A partir daí, somos transportados a uma infância repleta de fantasias mas nem um pouco fabulosa, onde Jeanette e seus irmãos, Lori, Brian e a caçula Maureen passam por inacreditáveis peripécias para sobreviverem às loucuras e negligências de pais nada convencionais. Rex Walls era um intelectual brilhante mas escritor fracassado, que vivia quase sempre desempregado, por conta do alcoolismo e do vício no jogo. Rose Mary, uma artista lunática de personalidade bipolar, também não durava muito nos empregos de professora, pois preferia dedicar-se a pintar quadros que nunca vendia.
Ao leitor, é bom que se advirta: a leitura de O Castelo de Vidro pode causar náuseas, indignação, revolta. Espécie de catarse da autora (escrevê-lo parece ter sido uma maneira dela se reconciliar com seu passado), as memórias de Jeanette Walls chegam a ser assombrosas. É surpreendente como essas crianças sobreviveram a tantos perigos, desconforto, insegurança e constrangimentos. O casal, que parecia não ter condições de cuidar nem de si mesmos, impingia aos filhos uma educação nada ortodoxa, baseada em conceitos que eles mesmos criaram. Jeanette cresceu sem certidão de nascimento (Rex e Rose Mary não achavam necessário registrar os filhos). Aos 3 anos, ela se queimou tentando cozinhar uma salsicha (porque os pais diziam que eles tinham que se virar sozinhos desde pequenos). Viviam mudando de cidade, sempre que os pais perdiam o emprego ou se metiam em confusão, deixando para trás quase todos os pertences.
Falando assim, parece crueldade extrema, mas o tom carinhoso e bem-humorado com que ela nos relata sua infância ímpar, nos leva a (quase) nos simpatizarmos com essa estranha família.  Episódios assustadores são tratados como "aventuras", como aquele em que o pai sai pelo deserto dirigindo quase desgovernado, fazendo com que a autora, ainda uma menina, seja lançada para fora do carro. Detalhe: ele leva algum tempo para perceber que a pequena não estava mais no veículo. Em outro momento, um marginal entra pela casa aberta à noite e tenta pôr as mãos em Jeanette, sendo perseguido pelo irmão Brian, enquanto os pais dormem pesadamente. Há ainda o trecho trágico e patético em que Rose Mary come chocolates escondida debaixo das cobertas enquanto as crianças não têm com que se alimentar.
Com tanta loucura e irresponsabilidade, os filhos tiveram que inventar meios de sobreviver, lutando contra a fome, o frio, o abandono. "Quando as outras garotas jogavam fora os sacos com os restos do almoço, eu ia catar na lata de lixo (...). Eu voltava para dentro do banheiro e dava uma conferida nas minhas descobertas deliciosas antes de comer".
Há salvação para isso? Entre traumas e dores, a autora prova que sim. De um jeito ou de outro, as crianças tornaram-se adultos bem-sucedidos (abra-se exceção para a caçula, Maureen, cuja história se entende melhor ao ler o livro). Exemplos de superação que confirmam a máxima popular de que "o que não mata, fortalece".
Mais do que sobreviver, o maior desafio de Jeanette Walls e de seus irmãos foi perdoar e amar seus pais, apesar de tudo. Chegar ao fim do livro traz  uma espécie de alívio, é um autêntico final (quase) feliz para um conto de fadas aterrador. Como história real, é comovente e exemplar. Porém, como literatura, é apenas um livro mediano.

Jeanette Walls nasceu em 1960, na cidade de Phoenix, Arizona. Formou-se pela Universidade de Columbia e foi repórter da New York Magazine, Esquire, USA Today e MSNBC.com, onde trabalha atualmente.

Livro: O Castelo de Vidro.
Autor: Jeannette Walls
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 368

http://pt.shvoong.com/books/biography/2030677-castelo-vidro/

quinta-feira, 24 de junho de 2010

As Paixões de Rosa.

O pintor Amedeo Modigliani viveu um romance confuso com a bela Jeanne, e quando morreu, na miséria e destroçado pela bebida, sua esposa suicidou-se no dia seguinte.
Oscar Wilde casou-se, aos 29 anos, com Constance Lloyd, disposto a “curar” sua própria homossexualidade. Pouco depois, começa a viver romances com rapazes. Apaixonado pelo lorde Alfred Douglas, um jovem “maldoso, vaidoso e frívolo”, comete o erro de processar o pai do amante por calúnia. Não apenas perde o processo, como é condenado por “conduta indecente”.

Paul Verlaine já era um poeta famoso, feio e beberrão casado com Mathilde quando conheceu Rimbaud, um rapaz belíssimo e problemático que também escrevia versos. Com ele embarca num caminho de autodestruição que envolve sexo, bebidas e brigas. Num desses episódios, atira em Rimbaud e acaba preso por dois anos. Os dois sobrevivem. A poesia de Verlaine, não.

Liz Taylor e Richard Burton levaram para vida real as cenas de amor que viviam no filme Cleópatra. O filme foi um fracasso, mas o romance deu o que falar.  Entre drogas e bebidas, casaram-se e divorciaram-se várias vezes. O último casamento dos dois acabou bem antes da morte dele em 1984. A paixão pelo jeito, ainda existia.
John Lennon e Yoko Ono conheceram-se em 1966, no auge da Beatlemania. Aos 26 anos, ele era casado e pai de Julian. Ela, uma artista excêntrica de 33 anos. Quando Lennon se divorcia para casar com Yoko, a comoção entre os fãs é geral. O casal se envolve em campanhas pela paz.  Já o casamento, não era lá tão tão pacífico. 

A paixão, com todas as suas nuances, cores e horrores está retratada nesse interessante livro da jornalista espanhola Rosa Montero. Fruto de uma série de artigos publicados no jornal El País em 1998 e 1999, é um verdadeiro tratado sobre esse sentimento que envolve, engrandece e aniquila ao mesmo tempo. A partir de uma pesquisa minuciosa e um texto muito agradável de se ler, Rosa Montero revela histórias de amores célebres, das mais variadas épocas. Desmistificando o romantismo, tenta decifrar os mistérios de um sentimento que muitos confundem com o amor. Enquanto analisa diversos romances, provoca no leitor o questionamento sobre até onde vão os limites da paixão.Segundo ela,"uma alienação na qual a pessoa amada é apenas uma desculpa que nos damos para alcançar a emoção extrema de se apaixonar".
Lendo cada uma das 18 deliciosas histórias de Rosa percebi que não existe paixão calma, sólida, construtiva, equilibrada. Entre os casais retratados, existe, quase sempre, ansiedade, deslumbramento, obsessão, violência e ciúmes. Em cada história, há o desequilíbrio de um dos lados (ou de ambos), transformando amado e amante em cúmplices, num cenário onde um é a vítima e o outro, o carrasco(com eventuais trocas de papéis). Especificamente, nos tempos antigos, o cenário da promiscuidade e da loucura é ainda maior. Tolstoi enlouqueceu (e deixou a esposa histérica). Verlain atirou em Rimbaud, cego de paixão. Modigliani bebeu até morrer e sua esposa suicidou-se em seguida, grávida do segundo filho dos dois. São pessoas assim, que parecem saídas de um livro de ficção, que são desvendadas pela escrita sincera e impactante de Rosa. De tudo isso, ficam as histórias saborosas e muitas vezes aterradoras, de relacionamentos onde a paixão é tão forte, tão intensa, que não sobra espaço para o verdadeiro amor.

Rosa Montero nasceu em Madrid em 1951, estudou Jornalismo e Psicologia. Colabora com o jornal El País desde 1976.  Prêmio Nacional de Jornalismo (1980) e Prêmio Rodríguez Santamaria de Jornalismo (2005). Entre seus livros estão Histórias de Mulheres, O Coração do Tártaro, A Filha do Canibal e A Louca da Casa.
Paixões: Amores e Desamores que Mudaram a História. Rosa Montero. Editora: Ediouro, 189 páginas.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago, capítulo final.

Morreu hoje, em Lanzarote, Espanha, aos 87 anos, um ser humano raro e um escritor extraordinário: José Saramago. Entre os meus livros preferidos, dois são de sua autoria - Ensaio sobre a Cegueira e Todos os Nomes. Tinha um jeito peculiar de escrever e contar histórias, que o tornou singular. Possuía uma temática engenhosa e inesgotável. Escrevia de um só fôlego, omitia parágrafos, pontuação, redigia romances inteiros sem colocar um nome sequer num personagem. Desafiava o catolicismo, com jeito maroto, mas não, no meu entender, desrespeitoso. Foi o único escritor em língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, com o livro Memorial do Convento, o que para nós, brasileiros, também é motivo de orgulho. Gostaria que Saramago vivesse mais 100 anos para poder continuar nos brindando com sua escrita genial. Porém, a herança que deixou, com sua profícua obra, já é um grande presente. A melhor homenagem que podemos lhe prestar é ler (e reler) seus grandes livros.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pablo, Vinícius, Fernando



Um pouco de romantismo não faz mal a ninguem. Em homenagem ao Dia dos Namorados que está chegando, três mestres no assunto. Poemas que são eternos como um grande amor.

Antes de Amar-te (Pablo Neruda)

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Soneto da Fidelidade (Vinícius de Morais)

De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Todas as cartas de amor são ridículas
(Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)